Na virada do século XIX para o XX, nascia no Recife um menino que o tempo provaria ser maior que seu nome. Jorge de Oliveira Lôbo, filho de uma família numerosa, criado entre livros, panelas e princípios éticos sólidos, cresceria para se tornar um dos nomes mais respeitados da medicina brasileira e mundial.
O menino disciplinado da Rua do Príncipe transformou-se em médico, professor, pesquisador, cientista. Mas não parou por aí: descobriu uma doença até então desconhecida, a blastomicose queloidiforme hoje conhecida como Doença de Jorge Lôbo.
Um cientista com alma de artista
Apesar do rigor que a ciência exigia, Lôbo nunca abandonou sua sensibilidade. Tinha hábitos metódicos: acordava às 5h da manhã, lia, seguia o mesmo caminho até o hospital até os buracos da rua faziam parte de sua rotina.
Mas também era amante da música clássica, da arte, da pintura, das tardes no Jockey Club de Pernambuco com a família, e dos domingos torcendo pelo Sport Club do Recife com tamanha paixão que o humor da segunda-feira dependia do resultado do jogo.
Casou-se com Lectícia, com quem teve oito filhos e permaneceu por mais de 50 anos. Moravam numa casa no bairro do Derby, que se tornou ponto de encontro das gerações que viriam depois dele filhos, netos, aprendizes.
A descoberta que mudou tudo
Foi em 1931 que Jorge Lôbo publicou o artigo que o eternizaria: “Um caso de blastomicose, produzido por uma espécie nova, encontrada em Recife”. O paciente era um seringueiro vindo do Amazonas com lesões cutâneas incomuns. Após meses de investigação e testes frustrados inclusive em animais de laboratório Lôbo concluiu: tratava-se de uma doença nova. E ousou dizer isso ao mundo.
Apresentou seus achados à Academia Nacional de Medicina, internou o paciente no Instituto Oswaldo Cruz, dialogou com os maiores nomes da ciência de sua época. O resultado? O nome Jorge Lôbo atravessou fronteiras da Amazônia à Alemanha.
Um mestre entre gigantes
Com passagens pelas mais prestigiadas instituições do país, como o Instituto Butantan, a Santa Casa do Rio e a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, Lôbo teve formação ao lado de nomes como Miguel Couto, Antônio Austregésilo e Eduardo Rabello. Foi professor catedrático da Faculdade de Medicina do Recife, onde formou gerações e reformou currículos. Fundou laboratórios, criou modelos de cera de doenças, organizou museus e presidiu associações.
Mas nunca se deslumbrou. Segundo seus familiares, guardava suas medalhas na gaveta e usava apenas uma para o retrato na sala de casa. Disse certa vez:
“A vida fica vazia sem o trabalho. Eu volto ao hospital porque preciso continuar ensinando.”
O legado de um nome gravado na pele da ciência
Ao longo da vida, publicou mais de 50 trabalhos científicos, participou de congressos na Europa e nas Américas, dirigiu hospitais, criou a regional pernambucana da Sociedade Brasileira de Dermatologia, e foi um dos fundadores da Academia Pernambucana de Medicina.
Morreu em 1979, no Recife onde nasceu e construiu seu legado. Mas sua presença segue viva nos livros, nas universidades, nos netos e sobrinhos que seguiram sua trajetória, nos médicos que o chamavam de mestre e, claro, em cada paciente diagnosticado com a Doença de Jorge Lôbo.
Por que contar essa história?
Porque a ciência brasileira tem raízes nordestinas.
Porque a medicina também é feita de memória.
Porque nomes como Jorge Lôbo precisam sair dos muros das universidades e ganhar as páginas da nossa cultura.
Créditos de pesquisa
Este texto foi elaborado com base no trabalho premiado “Jorge Lôbo: um homem fadado a grandes descobertas”, de Natália Araújo Lopes, graduanda em Medicina pela Universidade Federal de Pernambuco, sob orientação da Profª Maria de Fátima de Medeiros Brito, para o Concurso Literário Prêmio Prof. Salomão Kelner, da Academia Pernambucana de Medicina.
Agradecimentos especiais aos entrevistados e familiares do Dr. Jorge Lôbo citados no material original, cuja contribuição foi essencial para a preservação dessa memória histórica.